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Foto do escritorSZTAJN2GO

VOZES DA ÁFRICA: Um encontro com os Dogons em Mali (post 02).



Nestas sociedades, o trabalho é essencialmente compartilhado. Como, por exemplo, na reconstrução da Togu-na dos Dogon. Um abrigo para as intempéries, formado de oito pilares de madeira entalhada, que representam os oito místicos progenitores dos Dogon, criados por Ann, Deus do universo. Togu-na, literalmente significa, a casa da palavra. O teto não chega a um metro de altura, pensado e construído para que seus membros durante uma controvérsia não se levantem em um rompante durante a discussão, retirando-se do recinto. Tudo que diz respeito a comunidade passa pelo caminho da palavra. É novamente a palavra o caminho mais curto para o entendimento e a viabilização do interesse comum quando utilizada da forma adequada.

Não é, portanto, por acaso que a tradição na África sub-saariana é oral. Salvo exceções excepcionais, onde há a escrita (sobretudo a árabe), estamos sob o primado da palavra.



Nas sociedades orais, a ligação entre o homem e a palavra é mais forte. Lá onde não existe a escrita, o homem está ligado a palavra que profere. Está por ela comprometido. Ele é a palavra e a palavra encerra um testemunho daquilo que ele é.

Comparativamente à palavra (e de forma alguma como departamento estanque), a manifestação da fé tem a mesma extensão e coreografia.

Nas práticas do islã, são 05 as pregações diárias exigíveis. O Muezim deve ser mesmo convincente quando clama os fiéis a honrar a Deus às 5 horas da manhã, quando o dia ainda é noite, trazendo-os às mesquitas. Mas não obstante, mesmo na ausência do Muezim, do Imã e das mesquitas, país adentro, nos mais recônditos rincões, às horas exigidas, vemos surgir uma legião de homens voltados à Meca. Vê-se um bale de contorções e gestos que demonstram o prazer de orar, honrando assim seus compromissos religiosos. Elevam-se, abaixam-se, contorcem-se numa clara demonstração de que a fé é experimentada em vários níveis.

A fé muçulmana à parte os povos reservam o mesmo cuidado e meticulosidade nos seus rituais ancestrais originários.

O Sigi dos Dogons, festejado a cada 60 anos, climax da vida religiosa, ocorre quando a estrela Siriús, por eles chamada de " Sigu tolo", aparece entre o pico de duas montanhas, dando início a uma celebração extraordinária de purificação que reúne todos os membros de um clã. Festeja-se o fim de um ciclo vital e o início de um outro. O evento, é cercado de anos de preparação, execução e discussões. A reclusão dos jovens adultos, a linguagem secreta utilizada durante a reclusão, a confecção das máscaras " kanaga", cada detalhe precisa ser repassado, reconstituído passo a passo.



Para povos em que a vida cotidiana é estritamente atrelada a eventos sobrenaturais, em que os espíritos têm parte determinante nos acontecimentos, é preciso sobretudo atenção aos elementos: às danças, às representações, aos objetos religiosos e aos cerimoniais.

O Ritual Dogon de Tamburi que celebra o inicio da dança fúnebre das máscaras é a celebração da vida através da dança dos mortos. Os Dogon não precisam ir muito longe para estar com os seus mortos e antepassados. Bastar elevar o olhar as cavernas - catacumbas que recobrem a falésia. A morte não é um tabu, a morte é a celebração de uma vida que cumpriu sua plenitude. Da savana, fonte de forças poderosas, plantou, fiou, dançou suas danças, produziu sua própria máscara Dogon e soube reconhecer os passos da dança dos mortos na manifestação da sua própria morte.

Na juventude, escalou a rocha subindo cada vez mais alto, e por fim, se elevou ao pico na cerimonia em que seu corpo é levado á tumba, para renascer novamente na savana. O ciclo da vida.

Às vezes em que me encontro diante destes povos, é natural rever os hábitos e ritos nos quais estou inserida ( todos estamos). Meus vizinhos de porta, presumo, preferem ser evitados. O mínimo ruído é distúrbio que vem regido pelas convenções e atas de condomínio, em reuniões que raramente estou presente. Não há nenhum teto que nos oriente a maior reflexão, paciência e tolerância diante dos conflitos.

Cumprimentamos muita gente. Mas freqüentemente de modo tão curto e vago que me parece esvaziado de significado.

Creio que louvamos pouco a Deus, sem inflexões, nossas preces são quase pobres de demonstrações, coreografia. Evitamos o outro e os conflitos, tememos a morte e a velhice mais do que o diabo porque estamos seriamente comprometidos e confinados á permanecermos eternamente jovens.

Freqüentemente, na companhia daqueles que nos acompanham em peregrinações, mundus a fora, é patente em cada rosto, a mesma incredulidade diante do que vemos á frente. Olhando o que nos parece carestia, precariedades ou dificuldades, como é possível ver tanta gente feliz e em harmonia?

Revemos, obrigatoriamente, as nossas necessidades. Inútil enumerar tamanha parafernália.

Aquelas que antes de entendermos claramente a linguagem ( significado) e manuais está obsoleta - mas que tomamos por indispensáveis a vida moderna. Entre os Dogon, Tuaregs, Wodaabés, não disponíveis e, me arisco muitíssimo em afirmar ... desnecessárias.

Na volta para casa, reunimos fotos e imagens, trocamos nosso precioso acervo, as mesmas dunas mas sob ângulos diferentes, tons sutis, pequenas mesquitas ao longo do rio Niger, que o por do sol e certas luzes do dia enternecem a rudeza, as belas cores da África Negra, as faces gentis, o sorriso largo, o gesto de reconhecimento e agradecimento.

Ambasasgou, chefe da vila de Sangha. Um homem grandão, forte, cheio de autoridade e respeito, á noite anterior á nossa partida: " - Vou ficar triste, Un groupe trés trés gentil - Un trés bom groupe.... Olhos cabisbaixos, mareados. Respondi: - " Imagine nós" ?

Nossa piroga que bravamente desafiara o vento, malas molhadas, e o grupo exausto no porto, desembarcando no derradeiro destino de um viajante - aventureiro: Timbuctu, " o nada absoluto"

Como expressar esta busca e este sentido de felicidade para aqueles que incrédulos nos perguntam: mas o que é que é você foi fazer no Mali?

Um esforço de reter, armazenar, zelar imagens de um tempo onde corpo, mente e alma caminharam lado a lado harmoniosamente, na maior simplicidade!

Resta-me a palavra... Creio que se souber usá-la, da forma adequada, esta vai ressoar contundentemente a importância de darmos vez e voz aos povos da África!

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Créditos da fotografia: Tony Smith e Marcelo Fiorinni

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